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Escrevivendo longe dos neologismos.

quinta-feira, abril 14, 2011

Selva de pedra que ainda hei de acender.

Em uma dessas análises, descobri que mulheres têm táticas pra tudo. Se são burras, chamam atenção para os peitos. Se são burras e despeitadas, para os quadris. Se são burras, despeitadas e gordas, pra manchete de suicídio. Incrível. Clap, clap.
Pena que eu não me sinto mulher e não encontrei tática alguma pra pagar essas contas escrotas sem precisar vender um rim.
Continuei olhando os caras e percebi que nenhum deles tinha grandes chances comigo. Não que eu esteja em condições de exigir, mas ainda me resta dignidade. Um pouco. Um pó. Enfim. Só Bennett mesmo. O restante eu preferia que continuasse no zoológico.
 Bennett discutia qualquer coisa com alguém mais qualquer ainda em um canto arejado e próximo da cena do crime. Logo percebi que o corpo estava por ali devido à minha incrível capacidade investigativa.
E à faixa amarelo-ovo que isolava a área.
Tentei me aproximar, mas um patético guardinha florestal, menor que meu bom humor, disse que não era permitido. Algo com evitar atrapalhar o caso ou conturbar a investigação. Tentei refletir o quanto eu poderia conturbar o caso, mas não ultrapassei os limites necrófilos da situação.
- Por favor, madame, compreenda a situação... – dizia o homenzinho.
- Aqui tem ursos?
- Creio que não, madame... A senhora poderia...
- Nem onças?
- Menos ainda, madame. Por favor...
- Escoteiros que falem mais do que “madame”?
- Não sou um escoteiro. – ele elevou o tom de voz e percebi que suas feições sofreram mutações. Estava virando um guaxinim furioso.
- Não se preocupe, algum dia eles reconhecerão seu esforço e vão te dar um chapeuzinho com rabo de gambá atrás.
Super guaxinim. Risos internos. Eternos.
- Você está me desacatando.
- E você está me cansando.
Ele remexeu os bolsos do colete e eu, por reflexo, dei um passo para trás. Sabe-se lá o que esses selvagens carregam dentro das pochetes peludinhas.

terça-feira, abril 05, 2011

Queridos marimbondos, sejam mais úteis e comecem a chupar gordura.

Se as coisas seguissem uma única linha lógica, com certeza eu ficaria muito satisfeita com o Senhor Detetive. Diferentemente da casa de Mateus, a decoração era despreocupada e amistosa.
Não deselegante, mas pouco projetada. Imaginei que ele não tivesse tempo diante de tantos casos, mas soltei um risinho quando pensei em outras ocupações para o tira. Nunca fui um arquétipo de educação, mas estava realmente precisando de uma boa noite.
E de preferência sem pênis com identidade própria. Não que eu não goste quando eles são quase organismos à parte...

- Sala, cozinha, banheiro, quarto. Muitos lugares e muita roupa. Vamos mudar essa situação? – ele falou sem me olhar.
- O quê quer? Destruir alguns cômodos?
- Tão selvagem assim, madame?
Humor gostoso.
- E os seus casos?
- Você seria meu primeiro.
Todo gostoso.
Mas aí a merda do celular dele tocou e, ao que tudo indicava, um homicídio tinha acontecido por ali. Caralho, isso era mais excitante do que ele próprio.
Certo, exagerei. Mas eu sempre exagero. Uma vez apareceu uma lagartixa lá em casa – quando eu ainda morava com meus pais e tinha decência – e eu peguei a vassoura e uma panela de pressão pra me defender. Espanquei a criaturinha abominável e joguei lá dentro. Tudo bem que ela parecia mais um lagarto. Camaleão. Dinossauro. Sei lá. Mas eu não ia dar mole, vai que ela soltava aquele rabinho infeliz na minha cara e me cegava? Cadê a minha dignidade? Pra sofrer acidentes tem que ter o mínimo de heroísmo.
Se é pra torcer o pé, que seja salvando um gatinho na arvore, uma criança do incêndio ou correndo de gente feia.
- Quer vir?
- E a destruição do lar?
- O quê tem? A gente vai voltar. Provavelmente o filho da puta já se mandou. E você está comigo, o único perigo possível é eu não agüentar esperar pra te comer.
Nunca gostei de ser tratada como objeto sexual. Mas também nunca gostei de feijão aguado e aquelas garotas só sabem fazer sopa com os caroçinhos. Bando de anoréxicas sem peito, bunda e cérebro. Só queria não ter celulite como elas, mas isso Dr. Ray resolve.
Fiquei olhando pra ele com cara de why-aren’t-we-naked-yet?, acenei com a cabeça e voltamos pro carro. Se ele não me parecesse tão vulgarmente interessante, eu tinha me mandado. Ou melhor, se não houvesse uma possibilidade enorme de mais uísque eu já o teria feito há muito tempo.

Fomos parar no meio de um bosque, floresta, matagal ou sei lá que porra era. Só sei que tinha muito verde, ar puro e mosquito. Mosquitos. Muitos. Demais. Pra. Caralho.
- Sempre quis saber a sensação de ser comida viva... – falei, dando um golpe ninja em um marimbondo do tamanho da Europa.
- Espera a gente chegar em casa.
Sacana.
Os caras que trabalhavam com Bennett ficaram me olhando meio torto, até ele me puxar para um canto e dizer que não estavam muito acostumados em vê-lo com uma mulher.
Passaram pelo menos vinte minutos me analisando irritantemente, o que me lembrou aquelas batatas-sorriso que eu costumava comprar antes de ter que usar meu dinheiro pra pagar contas abusivas. Sabe aquelas batatinhas redondas e sorridentes? Então, eu tinha medo delas. Até o momento em que elas eram banhadas pelo meu suco gástrico, eu realmente ficava receosa com a presença daquelas coisinhas amarelas. Elas estavam ali, rindo de mim, me julgando furiosamente. Assustador. Gostosas, mas macabras.
Comecei a encarar os homens da lei com falso interesse, como se fossem macacos de circo. Gosto de estudar as pessoas. Normalmente elas são tão fáceis e previsíveis, mas nunca perde a graça. Eu me sinto o máximo quando acerto a fala seguinte da novela sem nunca tê-la visto antes. Vidência. Magia. Obviedades.

sexta-feira, março 18, 2011

Aposto a ficha, a roupa, a lógica e a própria aposta. Não há muito mais a perder quando nem a mim sou capaz de achar.

Ok, obviamente você me entende. Está lendo isso aqui há mais de quinze páginas. As pessoas não costumam me suportar por mais de quinze. Segundos.
Parei de beber com um pouco de esforço, empurrei o copo e me levantei, dando um sorriso grato. Era o melhor a fazer já que meu humor não estava dos melhores e eu provavelmente seria presa se o mandasse deslocar sua pélvis da minha direção.
Mas não era um bom dia para mim, claro que não. Ele segurou meu braço e pediu que, pelo menos, terminasse aquele copo.
- A intenção é me embebedar? – óbvio que eu não ficaria chapada com uma dose, mas ele não precisava saber.
- Até parece que você ficaria bêbada com tão pouco. – ele sabia.
Cara estranho. Detetive. Eu só arranjo merda.
Terminei em silêncio, dei um tchau sonolento e fui andando. E sabia que ele vinha atrás.
- Puta que pariu, com sua humilde licença Senhor Detetive, eu agradeço o uísque, mas não precisa de um mandato pra seguir as pessoas?
- Eu sou o Bennett, não preciso de mandato pra porra nenhuma.
- Ah claro, tá fazendo cosplay de Deus?
- Quase isso. Ganhei dele num jogo de pôquer e esse era o poder que ele apostou.
- Ser inconveniente?
- Não, detectar boas mulheres.
Não vou dizer que corei porque isso é adolescente demais, mas caralho, ele conseguiu transformar minha descortesia numa quase cantada. Será que é isso que ensinam em análise criminal?
- E o que você teria que dar a ele caso perdesse?
- Não combinamos.
- Que tipo de jogo imbecil era esse?
- Aquele que eu nunca perco.
Pretensioso. Eu o teria achado menos interessante se não fosse aquele sorriso sexy e as mãos macias destoando de todo o resto abrutalhado. Alem do ótimo gosto para roupas. Pernas bonitas, ombros, braços, olhos.
Em menos de dez minutos de observação e papo furado eu já sabia no que isso ia dar. É, ia dar. Mas não naquela noite.
- Olha, eu preciso ir. – falei, mesmo sabendo que não tinha absolutamente nada pra fazer.
- Eu também, uns casos pra analisar.
Uma expressão preocupada tomou conta daquele rosto bem modelado e whatta man, pode ficando e tirando essa roupa.
- Problemas?
Em segundos ela se desfez e ele sorriu largamente, com as sobrancelhas arqueadas.
- Diversão.
- Tô precisando de um pouco também...
Mais quinze minutos e eu tava no carro de Bennett, indo pra casa dele tentar descobrir algumas coisas. Quem sabe aquelas pernas.

domingo, março 13, 2011

Tira de mim. Sai. Xô.

A umas duas quadras do apartamento tinha um boteco arrumadinho e de bons freqüentadores. Ok, nenhum boteco é bem freqüentado, mas isso não fazia dele um dos piores. Já estava cansada de encontrar ali caras realmente interessantes, de bom papo e costelas aparentes.
Homens magros são sinônimos de amor pra mim. Ainda mais se eles tiverem poucos pêlos e sorriso torto. É sério, eu me apaixono.
Sentei no balcão, como sempre. Teria pedido Duelo ou Canelinha, mas não estava disposta a chapar rápido ou ficar numa ressaca infernal no dia seguinte. Só que também não me fingiria de boa moça e ficaria contente com um melzinho colorido. Isso é bebida de micareteiro que não sabe nada da vida a não ser contar quantas beija e come e passa gonorréia.
Perguntei pro Lord – era assim que eu chamava o dono do lugar e mestre do etílico – se ele ainda tinha o Cutty Sark que ganhara de presente de um Cara. Eu tenho mania de chamar as pessoas de Cara, com cê maiúsculo mesmo. É menos deseducado, mas ainda notifica que a pessoa não tem grande importância pra mim. Oitenta por cento das pessoas do mundo são Caras. E, ironicamente, também são baratas demais.
- Puts Cíntia, não tenho mais não.
Bacana, bacana. Até o uísque resolveu se revoltar. Bacana, bacana, babaca.
- Aceita um Jack Daniels? – uma voz grave perguntou.
Virei e encontrei um cara alto e de barba malfeita. Mais um pra aporrinhar. Bleh.
- A bebida ou esse é seu nome? – botão de ironia ativado, senhores passageiros.
- Se quiser os dois, estou às ordens.
Não respondi nada, mas acenei com a cabeça.
Não estava em condições de negar um uísque tão bom e razoavelmente caro. Ele se sentou ao meu lado e ficou alisando a boca do copo com o indicador direito. Tinha um jeito abrutalhado, não era magro, mas alguma coisa nele me intrigava.
- E aí, quem é você?
É obvio que se ele fosse um assassino estuprador de jovens deprimidas não iria me dizer, mas não tinha muito a perder e precisava saber a índole do Cara do Meu Uísque.
- Detetive Bennett e a madame?
- Cíntia, mas pode me chamar de Até Logo.
Sinceramente, nunca me dei bem com tiras. Talvez tivesse sido melhor se ele fosse um homicida psicótico do que policial. Não sou um exemplo de conduta a ser seguida, se é que me entende.

quinta-feira, março 10, 2011

Cena III: Sibutramina, bem vinda à casa.

Se existe uma invenção perfeita ela se chama despertador. Esse babaca nunca erra. Pelo menos não o meu. Presídios nem sempre são seguros, prédios desabam, camisinhas estouram, torradeiras deixam o pão queimar, aviões explodem, Jesus fode a sua vida. Sim, porque ele – figura ilustrada – é uma invenção da humanidade também. Mas o meu despertador não. Ele nunca falha. Tá sempre pronto pra irritar e me deixar com vontade de enfiar uma besta espanhola nos órgãos. 
Acordei a fim de bacon. Eu nunca gostei disso, mas acordei com vontade e resolvi fazer. Passei na venda do Seu Francis, comprei um pacotinho dessa bodega e voltei pra fritar. Não que eu planeje ter filhos, mas não quero nenhum deles com cara de bacon. Se bem que, com a sorte que tenho, a única alternativa que vem sobrando é trepar com porcos mesmo. Homens. Argh.
Comi uma meia dúzia e bateu remorso.
Porra Cíntia, já não basta estar ficando em forma – de bola – pela falta do cigarro e ainda cisma de enfiar goela abaixo esses blocos de gordura? Parabéns, Nobel da Imbecilidade Roliça pra você.
Eu assumo burrice, bissexualidade, vício em sexo, jogos de cartas e chocolate, fazer barulho com o nariz, gostar de quem não presta e reparar nas bundas das negonas do pagode, mas se tem uma coisa que eu não assumo é a minha gordisse.
Não acho feio, muito menos tenho preconceito. É sério, existem muitas gordinhas gostosas por aí. O problema é que eu simplesmente não consigo me encaixar nesse corpo desnivelado e metamorfósico que Deus, Alah, Buda e a gordura trans me deram. Junk food é a versão embalada e feita pra microondas do inferno.
Um sábado meio morno pede ou um banho frio ou uma noite quente. E como a segunda opção só aconteceria se eu me trancasse dentro do forno, fui pro chuveiro.
Puta que pariu, que idéia infeliz. Não seria exagero se eu alegasse hipotermia, mas teria sido frescura então joguei a toalha sobre os ombros e fui colocar uma roupa.
Fiquei pensando em alguma coisa pra preencher o dia, mas não fui muito longe me restando apenas criar discórdia entre os moradores do prédio. Rabisquei um discurso bronco do tipo “Da próxima vez passo por cima da sua mãe com o carro. Ela seria mais rápida se ficasse parada.”, mas lembrei que não sou exemplo de agilidade e deixei a discrepância pra lá.
Minha sobriedade já estava começando a irritar. Bar. É disso que eu preciso.

quarta-feira, março 09, 2011

Não há nada a ser esperado. Nem desesperado.

Cheguei em casa com um cheiro de incenso de almíscar fodido e por isso demorei, pelo menos, uma hora e meia no banho. Não me venha com discurso ecochato, se você estivesse cheirando à glândula de qualquer mamífero teria feito o mesmo. Assim que saí do banheiro, as três gracinhas – sem graça, desgraça e nem de graça – chegaram também.
- Oiiiii, Cíntia, já tá aqui? – toupeira número um falando, câmbio.
- Não, sou um holograma.
As meninas super-poderosas – e infra-dotadas – ficaram paradas me olhando. Eu até esperaria elas entenderem, mas tinha planos para as semanas seguintes. Cacei meu exemplar de Morangos Mofados e bandeei pra Odilo Costa Neto.
Uma clara tentativa de impedir meus neurônios de serem destruídos. Convivência é uma merda, viu.
Sentei na grama e me senti um pouco Nova Iorquina. Eu sempre tive nojo de capim de praça porque minha mãe dizia que os mendigos faziam xixi ali pra marcar território, que nem os cachorros.
E então cresci pensando que xixi de mendigo fizesse mais mal que de cachorro porque nunca vi ninguém passando a mão e achando bonitinho um cara barbudo abanando o rabo.
E provavelmente faz.

Um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha de centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados.

Puta que pariu, Caio F., pára de fazer eu me apaixonar pelo seu espírito diariamente senão eu vou ter que voltar lá no beco multicolor, faz favor?
Larguei o livro em cima de uma moitinha fofinha fingindo acreditar que nenhum homem sem calças aliviou-se por ali, e comecei a fazer um resumo mental da minha vida.
Pobre. Solteira. Desiludida. Precisando de receitas azuis. Chocolate. Chocolate não, Kit Kat. Isso é mais que chocolate. E mais receitas. E álcool. E então rehab. E um homem. Anticoncepcionais. E sexo. E mais pílulas. E muito, muito amor. E lenços. E dinheiro. E motivações. E parar de pensar em tudo que preciso e dar um jeito de conseguir.
Vam’bora Cíntia, levanta essa sua bunda gorda daí. Nenhum homem vai parar no meio dessa grama mijada e te oferecer uma dose de uísque. Nenhum bilhete premiado de loteria vai grudar na sua testa depois de uma brisa suave de fim de tarde. Dê-se ao menos o trabalho de apostar. E trabalhe.
E então mande aquelas vadias procurarem o Mickey e cuide da sua própria ruína existencial, no seu próprio apartamento com as suas próprias festas insossas.
Sacudi o jeans pra garantir que não carregava nenhum bichinho de herpes genital, encaixei Caio Fernando debaixo do braço e fui andando. Só não se sabe para onde.

quinta-feira, março 03, 2011

Cartas, búzios e que horror.

Eram umas cinco e muito da tarde quando passei em frente a um sobradinho caindo aos pedaços. Nunca acreditei em destino, tarô ou que a posição dos astros influenciasse na personalidade das pessoas. Gente maleável não depende das estrelas pra mudar de idéia, opinião, opção sexual ou whatever. Fiquei observando aquele muro rosa-cafona por um tempo e resolvi entrar. Não tinha porra nenhuma a perder, a não ser quinze contos que seriam destinados à luxúria e gula. Quem sabe era o cosmos me impedindo de ficar aidética ou morrer entalada com um pedaço de chocolate.
Assim que sacudi os penduricalhos da porta me arrependi de estar ali. Aquela decoração era um insulto às minhas órbitas oculares e comecei a ter uma crise alérgica pela falta de senso do lugar.
Tudo bem, Cíntia, seu organismo vai superar o choque. Sem babaquice, caralho. O muquifo que você mora é pior que isso. E fede a vacas.
Sentei num sofá de cor meio lápis-lazúli e fiquei esperando aparecer uma velhinha corcunda e provavelmente ciclope. Mais uma frustração na minha vida porque na porta surgiu uma mulher com menos de trinta anos e completamente em dia com o colágeno. Tentei converter a inveja pra pensamentos venenosos como “ah, provavelmente ela vendeu o cérebro pra ter esses peitos” ou “ela nunca teve cérebro e precisou vender os filhos e um rim”, mas a vontade de roubar os apêndices da cigana continuou. Grande merda, eu não ia esquartejar a mulher e transplantar batatas da perna, certo? Certo.
- Em que posso ajudá-la?
- Você não deveria adivinhar?
- Seria meio assustador se eu soubesse de tudo da sua vida, certo?
- Essas paredes têm duendes iguais ao Marilyn Manson, seu conceito de assustador é variável.
Ela não entendeu. Ou então estava contatando orixás, vai saber. Sentei em frente à mesa lotada de cartas e pedrinhas e esperei a Cigana Siliconada fazer o mesmo.
- Do que você precisa pra ler a mão das pessoas?
- De uma mão e pelo menos um olho.
Bingo! A teoria do cérebro estava correta.
- Quiromancia é uma arte complexa. É preciso muito estudo e concentração. – ela continuou.
Eu diria que imaginação também, mas mordi a língua senão aquela “consulta” poderia me custar sete anos de azar, problemas astrais, mais que quinze pilas e yadda yadda.
Estendi a palma esquerda e ela alisou minhas linhas com aquelas unhas enormemente bizarras e pintadas de amarelo-capa-de-chuva. Fiquei com medo de perguntar o nome dela. Quem sabe tudo aquilo fosse reflexo de um trauma de infância fomentado por uma mãe que não conseguiu abortar.
- Sua linha do coração é bem clara, querida. Você é uma pessoa sensível, carinhosa e bem-sucedida. Logo vai encontrar um rapaz forte e bonito que te protegerá de todos os perigos do mundo.
Ai meu saco, espero que a descrição do meu futuro homem esteja tão errada quando a minha. Sensível? Bem sucedida?
Alou, se eu fosse bem sucedida não estaria tentando descobrir em borras de café – provavelmente pó solúvel – se eu vou dar mais certo, menos errado ou simplesmente dar.
Ela sacudiu uns caroçinhos, grunhiu palavras esquisitas e disse que eu ainda passaria por muitas provações.
- Mas no final você será uma pessoa muito feliz.
- Ao lado do meu homem muito forte?
- Ao lado dele. – ela sorriu.
Sorri de volta, mas não achei a menor graça. Comecei a torcer pra esse armário humano não aparecer na minha vida de fato. Objetofilia nunca foi meu fetiche preferido.
Sacudi mais uns sininhos e saí antes que pudesse tropeçar em algum gato preto manco.